Quando foi mesmo que as crianças pararam de brincar nas ruas?

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Eu de azul, minha irmã de verde, minha tia e meu primo brincando na rua da casa do meu avô em São Paulo no Natal de 1981.

Passando numa rua em Pinheiros, em frente a uma escola, um grupo de uns 8 ou 10 adolescentes jogavam bola na rua. A rua não era estreita nem fechada, uma rua normal ( normal = carros estacionados dos dois lados e carros passando nas duas mãos). As palavras que mais se ouvia durante o jogo eram:
Carrôooo
Motooooo
Cuidadoooo

A minha infância inteira passei os finais de semana no Guarujá. A gente torcia pra chegar cedo na sexta-feira pra não ter carro parado na garagem e assim podíamos jogar queimada (a garagem ficava no térreo e o prédio não tinha portão). A divisão da “quadra” era a linha que dividia uma garagem da outra. Toda hora a bola caía na rua e saíamos correndo pra ir buscar. Olhem sempre pros dois lados, dizia minha mãe.

O momento de subir era quando um carro parava na garagem ( além de perdermos o espaço, também não podíamos correr o risco de danificar o carro com a bola). Pronto, acabou a brincadeira.

Aos sábados andávamos de bicicleta pelos buracos das ruas de terra ( quando chovia era ainda melhor) e jogávamos pé na lata ou pé na bola ( dependendo do que tínhamos no dia).

No carnaval, era hora de nos posicionarmos na cobertura do prédio da amiga ( que era de uso comum ) e jogar bexigas com água nos carros. Devia fazer um estrago. Inconscientemente devia ser a hora da nossa vingança.

O asfalto veio como uma grande conquista para os turistas que frequentavam o Guarujá, afinal o carro não ia mais atolar quando chovia.

Não lembro mais de ter jogado bola na rua quando ela virou asfalto.

O prédio ganhou portão e comecei a andar de bicicleta na garagem.  De repente, a rua ficou perigosa.

Os buracos da terra eram redutores de velocidade naturais, mas não sei porque a gente sempre insistiu em ir contra a natureza. O asfalto era progresso, ruas de terra eram o atraso. E o asfalto trouxe beneficios a quem? Ao carro.

A combinação asfalto + portão nos tirou das ruas. E sem perceber, abrimos espaço para o  grande vilão passar: o carro. Ele não só passou como tornou-se uma grande ameaça.

Pelos últimos dados da CET, morrem por ano em São Paulo cerca de 1.200 pessoas em acidentes de trânsito, sendo 500 pedestres atropelados.  Lembrando que 9 entre 10 pessoas sobrevivem a um atropelamento a 30km/h e 9 entre 10 pessoas morrem quando atropeladas a 60km/h.

Imagem: Transportation Alternatives

Imagem: Transportation Alternatives

Pedir redução de velocidade numa cidade que já não se move é só garantir a segurança de todos os que circulam por ela, seja a pé, de bicicleta ou de carro.

Quando será que vamos poder gritar “gol”, ao invés de “carrôôoooo” nas ruas?

O que aconteceu em Nova York

Abaixo, exemplos de cidades que reduziram a velocidade nos centros urbanos para garantirem a segurança dos cidadãos:

Nova York, recentemente começou uma campanha chamada ” Vision Zero”, com o objetivo de zerar as mortes no trânsito.

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/11/nova-york-reduz-limite-de-velocidade-com-meta-de-zerar-mortes-no-transito.html

Através de uma pesquisa em 2010, descobriram que ninguém sabia qual a velocidade permitida nas ruas e dessa pesquisa, surgiu essa campanha:

E mais recentemente essas duas:

Esse documentário interessante, mostra que o carro veio para substituir o cavalo, que sujava as ruas de Nova York e trazia doenças. Mas depois de um tempo, os carros andavam na mesma velocidade que os cavalos.

A Holanda não nasceu com ciclovias

A Holanda, ao contrário do que nós pensamos, não nasceu com ciclovias. Isso foi uma conquista dos holandeses depois que as crianças começaram a morrer nas ruas na década de 70.

E aqui a lista de 7 cidades que pretendem banir os carros dos centros urbanos.

http://thecityfixbrasil.com/2015/01/19/sete-cidades-rumo-a-um-futuro-livre-da-dependencia-dos-carros/

Na Austrália, um vídeo com cenas fortes

Segundo o site https://proscontras.wordpress.com/2011/12/08/transito-licoes-da-australia-e-uma-da-inglaterra/” o anúncio em questão – levado ao ar em dezembro de 2009 – é uma montagem de cenas de vídeos anteriores criados pela Transport Accident Commision (TAC), órgão público ligado ao governo do estado de Victoria (cuja capital é Melbourne, segunda cidade mais populosa da Austrália).

O TAC é responsável por suprir fundos para cobrir custos derivados de acidentes de trânsito, desde gastos médicos até auxílio financeiro para quem não pode voltar a trabalhar como decorrência de sinistros. Além disso, trabalha para diminuir a violência no trânsito, tanto em centros urbanos como no interior. Logo no início, recebemos a informação de que, 20 anos atrás, o número de mortes por ano no trânsito de Victoria era de 776, e que havia caído nesse período para 303. Ao invés de considerar isso motivo de comemoração, a mensagem é ‘ainda há muito o que melhorar’.”

Atenção: são 5 minutos de cenas muito chocantes. Causa bastante incômodo, embora cumpra a função de sensibilizar.

Em São Paulo começou nas marginais

Aqui em São Paulo essa redução começou com as Marginais, por serem as vias com índice de mais acidentes fatais, justamente pela permissão de velocidade alta e imprudência de alguns condutores de veículos motorizados.

Claro, entendo que as marginais são vias de tráfego rápido, mas 50km/h é nas vias locais, que teoricamente usamos para entrar na cidade. Mas como a via expressa congestiona rápido, a tendência é percorrermos a via local para conseguirmos andar melhor. E de repente, a via local congestiona também e nunca conseguimos passar de 30km/h. Espero que essa medida funcione e que o trânsito se reorganize de maneira inteligente.

Mas acho que estamos no caminho certo. A tendência mundial é a redução da velocidade , o “traffic calming”.

Claro que não vamos jogar bola nas Marginais, quer dizer, será que daqui a uns 50 anos nossos netos não vão? Será que eles vão poder desfrutar de uma cidade com rios limpos e segurança nas ruas? Isso não dá pra saber, mas vai depender de nós.

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